quarta-feira, 27 de agosto de 2008

ENTREVISTA A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, RESPONDIDA ATRAVÉS DE POEMAS.



MESTRE DA POESIA, NASCEU HÁ 100 ANOS, NO DIA 31 DE OUTUBRO DE 1902;
MORREU NO RIO DE JANEIRO EM 1987, CONSAGRADO COMO UM DOS MAIORES POETAS DA LÍNGUA PORTUGUESA;
UM POETA QUE NEGA TODAS AS FORMAS DE FUGA DA REALIDADE: SEUS OLHOS ATENTOS ESTÃO VOLTADOS PARA O MOMENTO PRESENTE E VÊEM, COMO REGRA PRIMEIRA PARA UMA TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE, A UNIÃO, O TRABALHO COLETIVO.




(...RECOMEÇAR É DAR UMA NOVA CHANCE A SI MESMO.../ É RENOVAR AS ESPERANÇAS NA VIDA E O MAIS IMPORTANTE.../ ACREDITAR EM VOCÊ DE NOVO.(...)
Carlos Drummond de Andrade.
1. DRUMMOND, COMO VOCÊ ENXERGA SUA VINDA AO MUNDO ?
Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos! Ser guache na vida.
( Poema de Sete Faces. Op. Cit.,p.13)


2. COMO FOI SUA INFÂNCIA?
Minha mãe ficava sentada cosendo
Olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que de Robinson Crusoé.
( Infância, Op. Cit., p.54.)


3. DRUMMOND, VOCÊ ACHA POSSÍVEL UMA EXISTÊNCIA SEM OBSTÁCULOS?

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas rotinas tão fatigadas.
nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

4. O QUE VOCÊ ACHA DA FAMA?

O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal
tira outro do nariz.
(Política Literária, op. Cit.,p.61-62.)


5. VOCÊ CONCORDA QUE O POETA SEMPRE TRAVA UMA LUTA COM A PALAVRA QUANDO QUER EXPRESSAR SEUS SENTIMENTOS?

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto,vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
( Poesia, op. Cit.,p. 65)


6. COMO VOCÊ ENCARA A MONOTONIA DA VIDA ?


Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham

Êta vida besta, meu Deus.
(CidadezinhaQualquer.Op.Cit.,p.67)


7. MUITOS CRÍTICOS VÊEM PESSIMISMO EM SUA OBRA. VOCÊ SABERIA DIZER A RAZÃO DESSE PESSIMISMO ?

Perdi o bonde e a esperança
Volto pálido para casa
A rua é inútil e nenhum auto
Passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lente
Em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
Princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo
Ou se é alguém que se diverte
Por que não ? na noite escassa

Com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
Nós gritamos: sim! Ao eterno.
(Soneto de Perdida Esperança .Op.cit.,p.84)


8. VOCÊ SENTE NOSTALGIA EM RELAÇÃO À SUA CIDADE NATAL?


Alguns anos vivi em Itabira
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste,orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
Vem de Itabira, de suas noites brancas,sem mulheres e sem
[ horizontes.]
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
É doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
Este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
Este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
Este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro,tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é penas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
(Confidência de Itabirano.Op.cit.,p.101-102)



9. DRUMMOND,EM ALGUNS VERSOS DE SUA PRIMEIRA OBRA (Alguma Poesia), NOTAMOS UM TIPO DE HUMOR SEMELHANTE AO DOS MODERNISTAS DA PRIMEIRA FASE. DEPOIS, VOCÊ VIVEU A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. O CLIMA DE ANGÚSTIA E DE MEDO REINANTE NA ÉPOCA LEVOU-O A ALTERAR A TEMÁTICA DE SUA OBRA?





Provisoriamente não cantaremos o amor,
Que se refugiou mas abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos, que esteriliza os abraços,
Não cantaremos o ódio porque esse não existe,
Existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
O medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
O medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
Cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
Cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
Depois morreremos de medo
E sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

( Congresso Internacional do Medo.Op.Cit.,p.105)


10. AFINAL, QUAL É A SUA PROPOSTA ENQUANTO POETA?


Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade.
0 presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.


Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

( Mãos Dadas. Op.Cit.p.111)


11. DRUMMOND, QUAL É A MATÉRIA DA SUA POESIA?



Poeta do finito e da matéria,
cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas,
boca tão seca, mas ardor tão casto.
Dar tudo pela presença dos longínquos,
sentir que há ecos, poços, mas cristal,
não rocha apenas, peixes circulando
sob o navio que leva esta mensagem,
e aves de bico longo conferindo
sua derrota, e dois ou três faróis,
últimos! Esperança do mar negro.


Essa viagem é mortal, e começa-la.
Saber que há tudo. E mover-se em meio
a milhões e milhões de formas raras,
secretas,duras. Eis aí meu canto.

( Consideração do Poema. Op. Cit.,p.137-138)

12. ONDE ESTÁ A POESIA, DRUMMOND?


Penetra surdamente no meio das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escreve-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

(Procura da Poesia. Op. Cit.,p.138-139)


13. E DEUS?


Responde, por favor: Deus é quem sabe?
Sabe Deus o que faz?
Deus dá o pão, não amassa a farinha?
Deus o dá, Deus o leva?
Pertence-lhe o futuro?
Deus te dá saúde? Deus ajuda?
a quem cedo madruga?
Será que Deus não dorme?
E é Deus por todos, cada um por si?
Deus consente, mas nem sempre? Deus
perdoa,Deus castiga?
Deus me livra ou salva?
Deus vê o que o diabo esconde?
De hora em hora Deus melhora?
Mas é se Deus quiser?
E Deus quer?
Deus está em nós? E nós,
responde, estamos nele?

(Rifoneiro Divino.In: A Paixão Medida.Rio de Janeiro,Liv.José Oliympio Ed.,1980.p.56)




CARACTERÍSTICAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


. É espectador de um mundo à sua frente, mundo que tenta descrever, ou com quem tenta dialogar. O seu referencial é sempre seu próprio “eu” insatisfeito;

. Com sentimento do mundo, Carlos Drummond mostra toda a sua característica maior – a preocupação sobre o significado ad própria existência e do mundo;

. Encontramos em Drummond uma repetição proposital, para dar mais ênfase a mensagem;

. O cotidiano de Drummond revela a sua preocupação com os homens e o mundo.
DOCUMENTÁRIO DA VIDA DE
PATATIVA DO ASSARÉ.


A TRISTE PARTIDA DO POETA


DE ASSARÉ.


O poeta Antonio Gonçalves da Silva,o PATATIVA DO ASSARÉ, foi o autor de versos que se transformaram em clássicos da música popular,ele morreu no final da tarde de uma segunda-feira,08/07/2002, aos 93 anos,vítima de pneumonia sepultado no cemitério São João Batista, em Assaré,interior cearense.Cordelista



MEMÓRIA: MORRE PATATIVA DO ASSARÉ,O GÊNIO DA POESIA NORDESTINA

Klécius Henrique [Da Equipe do Correio Com Agências].



O Nordeste perdeu um de seus mestres.O poeta Antônio Gonçalves da Silva,o popular PATATIVA DO ASSARÉ,93 anos,morreu em sua .casa,na cidade de Assaré,sertão do Cariri(Ceará).Com pneumonia,ele respirava com ajuda de aparelhos. Nos últimos meses,foi internado várias vezes por complicações diversas.No sábado, quando a saúde do poeta piorou,seus filhos foram para a casa dele.Os médicos não quiseram interná-lo no hospital por considerarem desnecessário.
Menino que freqüentou a escola por apenas seis meses,Patativa do Assaré se tornou um dos maiores poetas populares do Brasil.Sua obra sempre esteve ligada às raízes nordestinas,à vida do homem do campoe,sobretudo,à religiosidade da região do Cariri,extremo Sul do Ceará.
Patativa era o segundo filho do casal de agricultores Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva.Como os pais,nunca deixou a enxada de lado.Desde que comecei a trabalhar na agricultura, nunca passei um ano sem botar a minha roçadinha,só não plantei na roça,no ano que fui ao Pará,conta em texto autobiográfico,lembrando da época em que foi tentar a vida como cantador em Belém.
O poeta nasceu em 05 de março de l909 na Serra de Santana,sítio a três léguas(l8 quilômetros) da cidade de Assaré.No período da dentição,o menino Antônio perdeu a visão direita,atingida por doença conhecida no interior como “dor d’olhos”.Aos 08 anos,ficou órfão do pai,perda que o marcou para o resto da vida.
“Ao lado de meu irmão mais velho tive que trabalhar muito para sustentar os mais novos,pois ficamos em completa pobreza”,escreveu Patativa.Até os 12 anos,o contato de Antonio Silva com a poesia era leitura de cordéis realizada pelos familiares, e a audição dos repentistas do Cariri.
“De 13 a 14 anos, comecei a fazer versinhos que serviam de graça: eram brincadeiras de noites de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos que deixavam o mato estragar os plantios da roça”, relatou o poeta.
A partir daí,Patativa não parou mais.Até no hospital,doente,fazia poesia.Numa das internações recentes no Crato,declamou o amor pelo Ceará na cama do hospital:”Sou Cearense e me orgulho/Morro pelo Ceará/E dentro de mim essa força/Jamais se acabará.”Era sinal do seu eterno bom humor.
Patativa comprou uma viola de dez cordas aos l6 anos.O poeta, então,virou repentista.Ele só foi publicar o primeiro livro,Inspiração Nordestina,em l956,aos 47 anos.A obra foi financiada por um amigo,ressarcido pelo poeta depois da venda dos exemplares.Antonio Gonçalves da Silva deixou o Ceará aos 20 anos.A convite de um parente foi tentar a vida no Pará.Cinco meses depois estava de volta ao estado natal.Não agüentou a saudade do Cariri.À época,ele conheceu o escritor José Carvalho de Brito.
José Carvalho de Brito publicou textos do menino do Assaré no Correio do Ceará.Em um deles,o escritor comparou a poesia de Antonio Gonçalves da Silva ao canto da patativa,ave do semi-árido.O pseudônimo pegou.Dessa forma,o poeta do Assaré acabou inspirando várias gerações de artistas cearenses e de outras regiões.
Em l972,o cantor Fagner gravou Sina,cuja letra é de Patativa.O poeta também foi visto nas telas em dois filmes do cineasta Rosemberg Cariry.PATATIVA DO ASSARÉ – Um Poeta Camponês(1979) e Patativa do Assaré – Um poeta do povo(l975).Recentemente,o jovem diretor Ítalo Maia,de 14 anos,fez o desenho animado Patativa.”Ele é o velho mais punk que conheci, disse Ítalo, na apresentação do curta,no Cine Ceará.
“ O Brasil não tem um poeta nacional,como a Espanha teve Lorca (Federico García ) e o Chile teve Pablo Neruda,mas o Nordeste teve o seu poeta e ele se chamava PATATIVA DO ASSARÉ.Ele representou o nordestino em sua universalidade”,afirmou o cineasta Rosemberg Cariry.Em l995,o presidente Fernando Henrique Cardoso homenageou o poeta com a concessão da medalha José de Alencar.Patativa casou-se em 1936 com dona Belinha,com quem conviveu por 56 anos e teve nove filhos, sete ainda vivos.
ESTUDOS E BIOGRAFIA
Patativa só foi gravar um disco em 1979,por iniciativa do também cearense Fagner.Ao todo, foram três álbuns Antes, porém, sua arte tinha chegado,em livro,a um público do Sul que soube perceber a maravilha de sua obra.Foi com a publicação de CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ,editado pela Vozes,em 1978.No ano passado,a editora Hedra publicou um volume com cinco folhetos de Patativa,como título de coleção cordel.O livro foi preparado por um estudioso belga e aberto com um ensaio da francesa Sylvie Debs,da Universidade Robert Shuman,de Estrasburgo.Ainda no ano passado, a editora do CPC-Umes publicou a biografia O POETA DO POVO- VIDA DE OBRA DE PATATIVA DO ASSARÉ, de Assis Ângelo.
DEMOCRATA
A política também nunca ficou distante de Patativa. No regime militar,ele condenava os militares e chegou a ser perseguido.Em 1984,participou das Diretas Já . Em um de seus poemas,Inleição Direta 84,ele fala do período usando versdos como: “Bom camponês e operaro/A vida tá de amargá/ O nosso estado precaro/Não há quem possa aguentá/Neste espaço dos vinte ano/Que a gente entrou pelo cano/A confusão tá compreta/Mode a coisa miorá/Nós vamo bradá e gritá/Pela inleiçao direta
No Ceará, sempre apoiou o governo de Tasso Jereissati(PSDB),a quem chamava de “amigo”.Tasso,por diversas vezes,participou da festa de aniversário de Patativa, o maior evento social de Assaré todos os anos..
Neste ano,Patativa não participou da festa.Quase surdo e cego, ficou cego no final dos anos 90 e passou a andar com dificuldades por ter sofrido um acidente,ele não saía de casa e já não estava mais recebendo visitas.Nos últimos dias de vida,mal reconhecia amigos familiares.
O perfume é o invólucro invisível que encerra as formas da mulher bonita.
Castro Alves
Eu aposto...Eu aposto no valor da emoção,dos sentimentos,de pessoas que se buscam,se entrosam e se amam.Eu aposto nas possibilidades, na amizade sincera,na beleza infinita da natureza,no brilho da lua,na justiça dos raios solaresque não privilegia ninguém,na brisa que me levanta o ânimo,que me dá certezas...Eu aposto na vida, mesmo diantedo maior problema,porque descobri que cada novo dia éuma folha em branco,onde posso escrever memórias,relembrar fatos e criar o futuro,futuro que rabisco com tintas coloridas,e que chamo carinhosamente de ESPERANÇA!
Allah Maak
Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno.* Rubem Alves
RUBEM ALVES
Aprender para quê?Educador diz que a escola não leva em consideração o desejo de aprender e está longe de responder às perguntas das crianças
PALOMA COTES
Rubem Alves é um crítico do sistema de ensino brasileiro. Mas suas opiniões não carregam rancor contra quem quer que seja. Para o educador e professor emérito da Unicamp, o problema da escola é que ela não leva em consideração o desejo de aprender das crianças e está respondendo às perguntas que somente os adultos acham importantes. ''Crianças fazem perguntas incríveis'', avisa. Para Alves, questionamentos como ''quem inventou as palavras?'', ou ''gato podia se chamar cavalo e cavalo se chamar gato?'', são a prova viva do interesse que todo garoto tem por conhecer o mundo. Mas essa curiosidade investigativa, que leva o aluno a estudar, está longe dos programas escolares. ''Existe uma expressão terrível na escola: grade curricular. Deve ter sido cunhada por um carcereiro'', diz. Polêmico, propõe a extinção do vestibular e sugere que o processo seletivo para as universidades aconteça através de um sorteio. Prestes a lançar mais um livro (Presente, Frases, Idéias e Sensações..., Editora Papirus), espera com a nova publicação levar ao público seus pensamentos sobre o amor e a vida. ''Nem que a obra seja lida na privada'', provoca.

ÉPOCA - O senhor afirma que a maioria das escolas é chata? Por quê?
Rubem Alves - Não é de hoje que a escola é chata. Ela sempre foi assim e isso acontece porque as coisas são impostas às crianças. A prova de que uma criança gosta de ir à escola é se, na hora do recreio, ela está conversando com os amigos sobre as coisas que a professora ensinou. E não se vê isso. Então fica evidente que elas gostam da escola por causa da sociabilidade, dos amiguinhos, por causa do recreio. Mas elas não estão interessadas naquilo que se ensina na escola. Você acha que um adolescente, vivendo na periferia, pode ter interesse em dígrafos (grupo de duas letras usadas para representar um único fonema)? Não tem interesse nenhum. Existe outra expressão terrível: grade curricular. Já brinquei que deve ter sido cunhada por um carcereiro. A criança está vivenciando problemas que não têm nada a ver com os assuntos das aulas. Mas os professores apenas se justificam, dizendo que o programa afirma que é aquilo que se deve ensinar e acabou. Eu diria que na escola tradicional não se leva em consideração o desejo de aprender da criança. Elas expressam isso através dos questionamentos que fazem.
ÉPOCA - Quais questionamentos?
Rubem Alves - Se você reparar, as crianças fazem perguntas incríveis para conhecer melhor o mundo. Uma delas é: ''Quem inventou as palavras?''. Há outras boas: ''Gato podia chamar cavalo e cavalo chamar gato? Por que canteiro chama canteiro? Devia chamar planteiro, que é onde ficam as plantas! Por que a chuva cai aos pinguinhos e não toda de uma vez? Se na Arca de Noé havia leões, por que eles não comeram os cabritos?'' E por aí vai. Elas estão fazendo perguntas interessantes, mas as respostas não se encontram nos programas.
ÉPOCA - Por que o modelo de educação existe há tanto tempo?
Rubem Alves - Porque existe certa presunção da nossa parte, da parte dos adultos, de que as crianças não sabem nada, de que elas são vazias. E de que nós é que temos o saber.Também achamos que só nós podemos determinar o que elas têm de aprender. Isso é o que Paulo Freire denominou de educação bancária. Você vai sempre fazendo depósitos na criança. Houve um diretor de um abrigo para crianças e adolescentes em Varsóvia chamado Janusz Korczak. No abrigo dele, eram os alunos que exerciam a disciplina. E Korczak costumava dizer: ''Vocês, professores, me dizem que é muito difícil ensinar às crianças. Estou de acordo. E vocês dizem também que é muito difícil descer às crianças. Estou em desacordo. O que é muito difícil é subir ao nível de sensibilidade e de curiosidade das crianças, ficar na ponta dos pés, falar brandamente para não machucá-las''. É por isso que a escola não muda. Porque as pessoas não estão preparadas para subir ao nível das crianças.
ÉPOCA - Há salvação para esse modelo de ensino?,
Rubem Alves - Eu passei por esse modelo de escola. Outros amigos meus passaram e acho que não ficamos tão atrapalhados assim (risos). Aliás, tenho memórias muito interessantes. A escola tinha muitas coisas boas e, a despeito de tudo, a gente aprende. Mas é uma perda de tempo muito grande. As escolas estão cheias de pessoas maravilhosas, mas é tanta gente que sofre, é reprovada e repete de ano que não acredito mais nesse modelo. É preciso esquecer as maneiras tradicionais de fazer escola. Estamos tão acostumados com a idéia de que a escola tem corredor, sala, campainha, que podemos até pensar em melhorar isso, mas não pensamos que a estrutura pode ser diferente.
ÉPOCA - Então, por que as escolas não mudam?
Rubem Alves - Por uma porção de fatores. Um deles é a inércia. As pessoas se acostumam a fazer sempre a mesma coisa porque aí elas não têm trabalho. Se você tiver uma escola mais solta, nunca sabe direito o que vai acontecer, você não pode preparar a lição porque sempre o aluno pode fazer uma pergunta que você não sabe. Na escola tradicional, o professor é aquele que sabe a matéria e vai para a sala de aula acreditando nisso. Mas hoje as matérias estão todas na internet. Hoje, a função do professor é ensinar o aluno a pensar e a descobrir onde ele pode encontrar a resposta para as perguntas que ele tem. Essa é uma função nova e completamente diferente do professor. Os que estão acostumados a preparar a aula até costumam usar as fichas do ano retrasado. Dificilmente vão mudar.
ÉPOCA - Como convencer um professor a se atualizar?
Rubem Alves - Acho que muitos desses profissionais estão acordando para isso simplesmente porque não estão mais agüentando o tédio. Tenho dó dos professores. Às vezes os vejo como esses guias turísticos que vão todo dia ao mesmo monumento, levando um grupo diferente e repetindo as mesmas coisas. Isso é muito chato. Nenhuma pessoa merece viver uma vida desse jeito.
ÉPOCA - O senhor afirma, como educador, que a escola precisa dar aos alunos ferramentas para entender o mundo. O que isso quer dizer na prática?
Rubem Alves - Simplificando a minha teoria, digo que o corpo carrega duas caixas: uma de ferramentas e a outra de brinquedos. O que são ferramentas? São todos os objetos usados para fazer alguma coisa. Então, ferramentas não são fins em si mesmos. E elas são importantes porque nos dão poder. Um alicate é muito mais poderoso que meu dedo. E a primeira coisa que a escola tem de perguntar é: isso que eu estou ensinando é ferramenta para quê? Segundo: o aluno quer fazer isso? Porque não adianta você dar uma ferramenta para a pessoa, um martelo e um prego, se ela quer ser pintora. A ferramenta só tem sentido se tiver uma demanda, se eu estou querendo fazer alguma coisa. Se eu estiver interessado em plantar um jardim, vou aprender sobre as plantas, esterco e fertilizantes. O professor tem de perguntar a si mesmo isso. Se não for ferramenta, ela não vai ser guardada.
ÉPOCA - Por que não é guardada?
Rubem Alves - Se todos os reitores das nossas universidades prestassem vestibular, seriam reprovados. Porque eles esqueceram. E fizeram isso porque são burros? Não. Eles fizeram isso porque são inteligentes. Porque a memória não carrega coisas que não têm função. Também seriam reprovados os professores universitários e os dos cursinhos só passariam na própria disciplina. Eu seria reprovado. Tudo foi perdido. Já a caixa dos brinquedos está cheia de objetos que não servem para nada. Não há formas de usá-los como ferramentas. Lá estão a poesia de Fernando Pessoa, as sonatas de Mozart, as telas de Monet, pores-de-sol, beijos, perfumes, coisas que apenas nos dão felicidade. Assim se resume a educação.
ÉPOCA - Mas os alunos precisam ter conhecimentos básicos em áreas como Matemática, Biologia ou Química, não?
Rubem Alves - Para quê? Para passar no vestibular? Para esquecer tudo? Quem disse que tem de aprender isso? Por que eu tenho de aprender logaritmo neperiano? Não conheço ninguém que tenha usado isso. Se por acaso eu for precisar um dia na minha vida, estudo e aprendo. Não preciso me preocupar com isso na escola. E as pessoas não se dão conta de que todo esse conteudismo é perdido. Não sobra nada. Uma amiga minha, professora de Neuroanatomia na Unicamp, dizia que os piores alunos que ela tinha eram esses que apareciam em outdoors de primeiro lugar. Porque quando ela explica anatomia, um assunto cheio de complexidades, sempre tinha um que levantava a mão e perguntava: ''Professora, qual é a resposta certa?''. Ou seja, ele não entendia que esse negócio de ter sempre uma alternativa certa não existe. No caso do médico, com um doente terminal, o que ele faz: dá morfina ou continua com a quimioterapia? Não há resposta certa. É preciso aprender isso. E essas coisas não são ensinadas.
ÉPOCA - O senhor chegou a pregar o fim do vestibular. Por quê?
Rubem Alves - Já preguei, e quando falo nisso as pessoas acham que estou brincando. Quando eu era pró-reitor de graduação da Unicamp, queria um vestibular que avaliasse a capacidade de pensar dos alunos, e não a memória. Um professor me disse: a solução mais fácil é o sorteio. Dei uma gargalhada. Mas comecei a pensar e vi que é isso mesmo. A primeira coisa do vestibular que me morde não é decidir quem entra ou não na universidade, mas a sombra sinistra que ele lança sobre tudo o que vem antes. As escolas são orientadas para o vestibular, e os pais logo de saída querem as escolas fortes para os filhos passarem no vestibular. A primeira conseqüência de ter o sorteio é que as escolas seriam livres para ensinar. Elas não precisariam preparar os alunos para o vestibular. Então, as pessoas poderiam ouvir música, ler e fazer o que quisessem. Seria a libertação das escolas para realmente ensinar. Em segundo lugar, acabariam os cursinhos. Se tiver sorteio, ninguém pode reclamar. Sorteio é sorteio. Acabaria o sofrimento psicológico dos alunos, que têm a auto-imagem destruída. Também acabaria o conflito entre pais e filhos.
ÉPOCA - Mas um vestibular por sorteio poderia ter muita injustiça?
Rubem Alves - Várias pessoas me dizem isso. Claro que poderia, mas não do tamanho da injustiça que existe no atual sistema de vestibular, que nada mais é que uma grande perda de tempo, de dinheiro, de inteligência e de conhecimento. Também me perguntam se qualquer aluno, sem o menor preparo, poderia entrar na universidade. Respondo que não. Haveria no final do ensino médio um exame no país inteiro para verificar se os alunos atingiram um ponto mínimo exigido. E não seria classificatório. Quem passasse poderia participar do sorteio. Quem fosse reprovado poderia refazer a prova depois.
ÉPOCA - É polêmico...
Rubem Alves - Não acho, não. Acho que é uma solução óbvia. É mais inteligente que o modelo que existe atualmente. E menos danosa.
ÉPOCA - Como educador, o senhor não se dedica apenas a escrever livros voltados para o tema. Também tem publicações em formato de contos, prosa e versos. Por quê?
Rubem Alves - Eu não tenho livros de teoria. Escrevo contos e faço isso brincando. Então, sinto prazer mesmo quando estou falando sobre coisas teóricas. Mas sempre abordo o tema da educação por meio de metáforas. Inclusive sob a forma de poesia. Por isso muita gente não me leva a sério. Dizem que o Rubem Alves não é cientista. Não sou mesmo. E nem quero ser. Cientistas, já temos em excesso.
ÉPOCA - E este último livro nasceu como?
Rubem Alves - Escrevo muita coisa e, no meio dessas, de algumas eu gosto mais. É como se fossem snap shots, instantâneos da alma. Neste livro, há uma série deles. Você pode abrir em qualquer lugar. Não tem argumento, não quer provar nada, não há nenhuma tese. Uma vez escrevi uma crônica sobre a função cultural das privadas. Essa palavra é considerada feia. Quando se fala numa festa, o dono da casa retruca ''o banheiro'', ''o toalete'' e, quando você chega lá, é privada. Esse nome é tão bonito, tem a ver com privacidade, com estar sozinho, onde ninguém te interrompe. Lá é lugar escolhido por muitas pessoas para ler jornal. Um lugar de erudição, de conhecimento. Então, sugeri aos artesãos que fizessem umas miniestantes para instalar na frente do ''trono''. Nelas poderia ser colocada uma série de livros. Mas livros que tenham textos curtinhos. Aí a pessoa pode aproveitar para pensar, refletir. Acho que esse meu novo livro daria muito bem para esses momentos.

''Se os reitores prestassem vestibular, seriam reprovados. Porque são burros? Não. A memória não guarda o que não tem função''


''Às vezes vejo os professores como esses guias turísticos que vão todo dia ao mesmo monumento, levando um grupo diferente e repetindo as mesmas palavras''